domingo, 8 de janeiro de 2012

A Filósofa do Cabaré



A terça-feira daquele mês de outubro de 2010 ia alta, já beirando o outro dia e, a convite de um primo que passava temporada em João Pessoa; fomos, os dois, conhecer a celebre Rua da Areia, reduto das casas de baixo meretrício Pessoenses.

Na outra ponta dessa história, aquele outubro carregava nas costas o nono mês do término do meu enlace com ela, mas Carolina ainda teimava em aparecer nos meus sonhos e aquela terça-feira, que já ia tão alta, aparentava ser só mais um outro começo de madrugada na tentativa de esquecê-la.

Chegamos à Rua da Areia e entramos no único reduto que ainda estava aberto. Era um bar de luz verde, paredes mofadas e mesas enferrujadas. Ali encontravam-se três putas e uma meia dúzia de bêbados. Sentamos numa mesa e pedimos uma cerveja. Em pouco me levantei e fui até a radiola de ficha. Dois reais, algumas dedadas na máquina e pronto: Por Amor, Roberto Carlos. Ainda nas primeiras notas da música algum dos bêbados disse um sonoro “Eita porra!” e em seguida ouvi um estampido de um fundo de copo batendo forte na mesa, mas até aí tudo normal dentro do referencial.

Ao voltar à mesa constatei que já se encontravam muito bem sentadas e servidas duas sócias-produto do estabelecimento. Sentei-me junto aos três e já senti uma mão na minha coxa, mas novamente até aí tudo absolutamente normal dentro do referencial.

Entrei de bigú numa conversa altamente sem sustança dos três, enquanto degustava cada verso de lamento da música que derramava pesares por todo o cabaré. Porém, não demorou muito e a música findou-se; sendo rapidamente substituída por um brega daqueles “chupa-que-é-de-uva”. Nessa hora meu primo, sujeito despachudo e furniquento, levantou-se com a puta menos feia e começou uma dança aparentada com a dança do acasalamento ou sei lá que peste era aquilo...

Enfim, cenário montado e conjuntura explicada, vamos agora às vias de fato. Aqui começa a parte de Fernanda Cristina nessa história.

Fernanda Cristina era o pseudônimo da puta magra das canelas finas que ficou sentada comigo à mesa. Era ela a proprietária da mesma mão que ainda continuava a passear pela minha coxa – Situação altamente normal dentro do referencial.

Ela; de cigarro no bico, maquiagem exagerada, gestos longos e rascunhando sensualidade, tentando se fazer valer mais que 20 reais. Eu, ainda ouvindo os ecos do “se não for por amor, me deixe aqui no chão”, atingido mortalmente na alma, sem perspectiva de amar outra vez e tentando parecer forte. Nós dois naquela mesa, interesses opostos e um diálogo:

- Não vim aqui atrás de sexo não, viu dotôra.

- Tão gatão com essa carinha de bebê... Avee, que tu deve ser uma máquina...

- Moça, deixe de coisa... qual seu nome de verdade?

- Fernanda Cristina, mas chame como quiser

- Pois Fernanda, me diz uma coisa: o que tu faz quando não tá trabalhando aqui? Tu tem filhos?

- Aff... tenho sim, dois e estudo direito durante o dia... Por quê?

- Curiosidade... Mas vem cá, tu já amasse alguém de verdade alguma vez na vida?

- Sim, sim... todo mundo ama um amor de verdade alguma vez na vida.

- Pois e por que tu veio parar aqui?

- Não quero falar sobre isso, não... que mulesta tu quer?

- Curiosidade, moça. Mas e essa pessoa que tu amou, esquecesse ela?

- Não, mas sabe como é né: Um amor de verdade não se esquece, ele adormece.


Varei-te! Na hora eu peguei um pedaço de guardanapo e anotei isso. Poesia da mulesta que essa tinhosa disse. Fiquei besta...

Pois pronto. Depois disso ainda foram mais uns quatro metros de conversa até que meu primo voltasse com a outra puta e Fernanda Cristina notasse que estava perdendo seu tempo comigo. Dalí voltei pra casa, mas aquele dizer: “Um amor de verdade não se esquece, ele adormece” - Ave Maria! – sei não... foi como se a puta tivesse fechado os olhos e metido o dedo sem pena na minha ferida de amor, cutucando lá dentro. Uma dose aputanhada de poesia pra um coração ébrio. Aquela pontada que pega direto na veia.

Fiquei com aquilo na cabeça e no guardanapo por quase uma semana. Lindo demais um negócio desses: “Um amor de verdade não se esquece, ele adormece”, inda mais dito por uma prostituta que hoje amargura o fundo do poço e confessa ainda amar.

Já no outro lado dessa história, dentro do meu peito, lá estava ele: o meu relutante amor por Carolina, que nem adormecer não queria. Tendo esse formato de querença tinhosa, gostar descomunal, amor sem dimensão, lembrança sem freio numa ladeira sem curva. Um querer que ainda dava nó na goela.

E foi inspirado por esse misto de filosofia putanhosa com chagas de amor ingrato não esquecido, que acabei dando vida a um dos poemas que mais me agradam até hoje. Poema esse que nasceu dessa conversa de mesa de cabaré, catalisado pelas lembranças do meu querer por Carolina e que, a pedidos, a linda voz de Bruna Alves musicou.






O que eu sei é que de noite
Quando eu vou dormir
Num lindo sonho tu vens a rir
Me dizendo baixinho,
Me arrepiando todinho...
“Ai que bom, que bom sentir”

E eu não sei se ainda posso ser querido, querida
Se um novo amor tão garrido e sem medida
No meu coração pode existir

E no meu peito – pobre peito, iludido –
Ainda repousa, depois de muito sofrido,
Aquele amor que eu cultivei pra ti

“Que um amor de verdade não se esquece, ele adormece”

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